O instituto do Cram Down vem sendo aplicado com certa frequência nos processos de Recuperação Judicial que tramitam no Brasil, viabilizando a concessão da recuperação judicial mesmo sem a aprovação de planos com o quórum ordinário previsto no art. 45 da Lei de Falência e Recuperação de Empresas (LFRE).
O Cram Down é um instituto que permite ao Magistrado impor a aprovação de Plano de Recuperação Judicial que não tenha sido aprovado em assembleia com o quórum ordinário. Trata-se de um quórum alternativo que está previsto no art. 58, § 1º da LFRE, que estabelece os requisitos para sua aplicação.
O art. 45 da LFRE estabelece que o plano de Recuperação Judicial será aprovado em assembleia desde que obtenha voto favorável de: (i) credores das classes II e III que representem mais da metade do valor total dos créditos presentes à assembleia e, cumulativamente, pela maioria simples dos credores presentes; e (ii) credores das classes I e IV que representem a maioria simples dos credores presentes.
Caso o plano apresentado não obtenha o quórum ordinário acima mencionado, o Magistrado deve analisar a possibilidade de aplicação do Cram Down, de modo a conceder a recuperação judicial à empresa desde que, na mesma assembleia, o plano tenha obtido, de forma cumulativa: (i) o voto favorável de credores que representem mais da metade do valor de todos os créditos presentes à assembleia, independentemente de classes; (ii) a aprovação de 3 das classes de credores ou, caso haja somente 3 classes com credores votantes, a aprovação de pelo menos 2 das classes ou, caso haja somente 2 classes com credores votantes, a aprovação de pelo menos 1 delas, sempre nos termos do art. 45 da LFRE; e (iii) na classe que houver rejeitado o plano, o voto favorável de mais de 1/3 dos credores, computados na forma do art. 45 da LFRE.
Embora a aplicação do Cram Down em tese não conceda ao Magistrado margem de discricionariedade, já que os requisitos para sua aplicação estão previstos na LFRE, alguns Juízes e Tribunais pátrios vêm, em situações especialíssimas, ampliando a aplicabilidade do instituto de modo a relativizar os requisitos estabelecidos em lei, como medida de impedir o abuso do direito de voto e, consequentemente, manter o funcionamento da empresa, já que a não aprovação do plano acarreta na decretação de falência da sociedade.
Ao jugar o Recurso Especial nº 1.337.989/SP o Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve decisão que havia concedido recuperação judicial de empresa que não atingiu o quórum alternativo estabelecido no art. 58, § 1º da LFRE. No caso em questão, embora o plano apresentado tenha obtido a aprovação de apenas um, do total de três credores com garantia real que a empresa recuperada possuía, o credor que votou favoravelmente à aprovação do plano representava 97,46376% do total dos créditos da classe, considerando os credores presentes.
Entendeu o STJ que o princípio da preservação da empresa não poderia ser mitigado pela vontade da minoria – já que o plano havia sido aprovado pelas demais classes de credores e pelo credor detentor de 97,46376% do crédito com garantia real – que poderia estar exercendo seu direito de voto de maneira abusiva.
Assim, embora os requisitos para Cram Down estejam previstos na LFRE, em casos específicos sua aplicabilidade pode ser ampliada com o objetivo de garantir o interesse da coletividade de credores.
Conclui-se, portanto, que o Cram Down é um importante instituto para impedir o abuso do direito de voto de determinados credores, de modo a garantir a prevalência do interesse coletivo e a preservação e função social da empresa. Todavia, a relativização dos requisitos estabelecidos art. 58, § 1º da LFRE deve se dar com extrema cautela, apenas em casos realmente especialíssimos, a fim de impedir que a vontade do Magistrado prevaleça sobre a vontade dos credores.